Caros (as),
O blog Chutebol traz um texto do amigo e cancionista Paulo da Costa, publicado recentemente no site da Revista Piauí. Nele, o autor ajuda a pensar sobre o sentido da era digital em nossas vidas, tendo como mote a música e, mais especificamente, o gênio de Gilberto Gil. Sustentar a busca de um sentido é fundamental desde a infância. É poder pensar sobre o que se faz. De como as crianças brincam; de como os pais se relacionam com a tecnologia; de saber se ainda sobra espaço para outras coisas nesse mundo. A tecnologia vai 'resolver' nossos problemas? Ou é uma ferramenta preciosa - mas também tem seus limites? A íntegra do texto com direito a música está em:
"Há algumas semanas atrás,
Gilberto Gil fez, no Rio, o show de lançamento de seu novo CD. Uma coluna
social noticiou o evento, trazendo um desabafo do compositor. Em meio a invasão
de seu camarim por aparelhos de celular ávidos por selfies, disse o baiano que,
além de não ser muito ligado em tecnologia, faz críticas a ela: “Não é a mesma
coisa fazer show hoje. Há 20 anos, tínhamos muito mais qualidade, mesmo sem
tanta tecnologia. Hoje todo mundo deixa tudo nas mãos dos equipamentos.
Esquecem do detalhe manual, que faz diferença”. O desabafo de Gil descortina um
dos grandes dilemas de nosso tempo: a saber, de que o avanço tecnológico não
necessariamente tem implicado um aumento na qualidade da experiência vivida. É
algo que está no ar.
(...) Será que podemos dizer que
as recentes tecnologias da comunicação (email, celular, skype) tornaram nossa
comunicação mais sutil e complexa? Ou que as redes sociais tornaram
efetivamente mais rico e nuançado o nosso universo social, afetivo? Os dois
exemplos apontam no sentido da eficiência, da utilidade, da rapidez, do
estabelecimento prévio de metas e resultados. Tudo passa a ser avaliado em
termos quantitativos – faz-se muito mais em muito menos tempo; atinge-se muito
mais pessoas de uma só vez. Mas, nesse frenesi, algo fica de fora. “Esquecem do
detalhe manual, que faz diferença”.
(...) De fato, nenhum compositor
popular pensou de modo tão livre sobre a relação entre homem e tecnologia. Da
resistência desconfiada e romântica de Lunik 9, nos anos 1960 - quando viu na
presença humana no espaço uma ameaça de dessacralização do símbolo maior dos
poetas, a lua – à celebração das potencialidades inéditas de um mundo em rede,
na virada para o século XXI, no qual seria possível “juntar via internet, um
grupo de tietes de Connecticut” (que verso!), mundo que nunca perde seu elo
fundamental com o passado, e que segue “transcorrendo, transformando, tempo e
espaço navegando em todos os sentidos”. Gil criou uma linha de continuidade que
leva de Pelo telefone (o famoso “primeiro samba”), de Donga, à sua Pela
internet, da mesma forma que, em Parabolicamará, passamos da jangada para o
saveiro, e finalmente para o avião. Tudo é tecnologia e tudo faz parte da longa
jornada humana.
Só isso já seria maravilhoso, mas
há mais. A relação de Gil com a tecnologia é positiva, aberta, assimilativa;
mas ainda assim crítica. Suas canções não apenas exaltam a tecnologia como
invenção e mudança, mas insistem constantemente em avaliá-la pela lente humana,
em indagar a que causas ela tem servido e quais têm sido os seus efeitos. Gil
jamais separa a tecnologia dos mais profundos anseios humanos. Jamais permite
que ela saia da perspectiva de nossa fragilidade constitutiva. O cérebro
eletrônico é o máximo, sim – mas só eu posso chorar quando estou triste. Botões
de ferro e olhos de vidro não podem me dar qualquer “consolo em meu caminho
inevitável para a morte”. É que, ainda que seja uma criação humana, a
tecnologia pode trabalhar na direção da desumanização.
(...) Tudo isso está, de algum
modo, nas reflexões musicais de Gil sobre a tecnologia. Nem rejeição romântica,
nem adesão deslumbrada. O baiano quer saber de que modo o avanço tecnológico
tem contribuído para a “emancipação do homem, das grandes populações”; quer
saber quando teremos “raio laser mais barato” e se nos é permitido “viver confiantes
no futuro” -– como está dito na linda canção que ele compôs nos anos 1970,
Queremos saber. “Pois se foi permitido ao homem, tantas coisas conhecer, é
melhor que todos saibam o que pode acontecer”. É preciso manter o olho vivo e
desvendar “as ilusões do poder”; fazer prevalecer os “botões de carne e osso”.
Jamais perder de vista os fins aos quais o desenvolvimento tecnológico deveria
servir. Sobretudo, não deixar de questionar, de fazer as perguntas certas, e de
exigir da tecnologia o que ela nos prometeu, e ainda não cumpriu."
2 comentários:
Boa Biga! Lido e refletido. Abço! Milho.
Valeu!! Nosso amigo Paulinho, 'rrebentando...
abs
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