Prezados (as),
O assunto não é bolinho e tem repercutido (ainda bem!) por muitos cantos. É sempre importante lembrar que não se trata, assim pensamos, de ignorar ou menosprezar o sofrimento alheio - mas sim de adotar uma postura de reflexão, crítica se necessário. Daí que trazemos o texto abaixo, que alfineta a concepção de normalidade forjada nos manuais de psiquiatria do século XXI. Quais interesses estão por trás disso? A singularidade do sujeito não está espremida por esta suposta normalidade? Por que a infância ficou tão submetida a estes parâmetros? Einstein costuma ser lembrado nessas horas, já que se fosse categorizado hoje dificilmente teria havido espaço para sua genialidade, visto que seria 'tratável'.

Mas afinal, o ser humano é uma sobreposição de peças que precisam
funcionar de determinada maneira - mais ou menos igual para todos?
Claro, não podemos cair também num romantismo piegas sem sal, como se
não existissem eixos para balizar doença e saúde - mas perguntamos: o pessoal não está exagerando, não??? Boa leitura!
“Foco” é a palavra de ordem nas escolas e no mercado de trabalho. Para vencer na vida, a dispersão de atenção para outros interesses além das tarefas do dia a dia é não apenas mal vista: é diagnosticável como um transtorno mental passível de cura. De acordo com uma ala da psiquiatria, essa ideia de “transtorno” parte de duas premissas. Uma é semântica. Ela suaviza a ideia de “doença mental” e passa a ser usada como uma espécie de identidade psíquica por meio de nomenclaturas como “TOC”, “TDAH”, “hiperatividade”, “bipolaridade”, “ansiedade” e “transtornos de humor”.
“Foco” é a palavra de ordem nas escolas e no mercado de trabalho. Para vencer na vida, a dispersão de atenção para outros interesses além das tarefas do dia a dia é não apenas mal vista: é diagnosticável como um transtorno mental passível de cura. De acordo com uma ala da psiquiatria, essa ideia de “transtorno” parte de duas premissas. Uma é semântica. Ela suaviza a ideia de “doença mental” e passa a ser usada como uma espécie de identidade psíquica por meio de nomenclaturas como “TOC”, “TDAH”, “hiperatividade”, “bipolaridade”, “ansiedade” e “transtornos de humor”.
A outra dita que, por trás da desordem, existe
uma ordem. Nesta ordem, o estudante estuda e o trabalhador trabalha. Em nome
dela nos medicamos. Cada vez mais e, segundo especialistas, sem que sejam
levados em conta os impactos, para as crianças e suas famílias, do diagnóstico
e da medicação. Quem analisa os índices de tratamento à base de
drogas psicoativas imagina que o planeta enfrenta hoje uma “epidemia” de
transtornos mentais. Nos EUA, uma em cada 76 pessoas são hoje consideradas
incapacitadas por algum tipo de transtorno – em 1987, este índice era de uma em
cada 184 americanos. O número de casos registrados aumentou 35 vezes desde então.
Segundo o Instituto Nacional de Saúde Mental dos
EUA, 46% da população se enquadrariam nos critérios de doenças estabelecidos
pela Associação Americana de Psiquiatria. Tais diagnósticos criaram um mercado
poderoso de medicamentos psicoativos – o que significa medicar tanto pacientes
com crises agudas de ansiedade até crianças diagnosticada com grau leve de
“hiperatividade” ou “espectro de autismo”, a chamada síndrome de Asperger.
Essas crianças precisam manter o “foco” na sala de aula se quiserem ter alguma
chance de passar no vestibular.
A pressão sobre elas em um mundo cada vez mais
competitivo cria um consumidor fidelizado: a criança que hoje precisa de
medicamento para se manter em alerta será, no futuro, o adulto dependente de
medicamentos para dormir. Essa pressão, apontam estudos, tem origem na sala de
aula, passa pela sala da direção, chega aos pais como advertência e desemboca
na sala do psiquiatra, incumbido da missão de enquadrar o sujeito a uma vida
sem desordem.
Mas como cada categoria de transtorno mental é
construída e delimitada? Quais pressupostos fazem com que determinados
comportamentos e/ou estados emocionais sejam considerados normais e outros,
não? Quem definiu que uma criança com foco na sala de aula é normal e uma
desconcentrada é anormal? Qual é, enfim, a “ordem” que a prática psiquiátrica
visa a garantir?
Essas questões serão temas de debates em um ciclo
de encontros do Café Filosófico CPFL, sob curadoria do professor livre-docente
em Psicopatologia do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Ciências
Médicas da Unicamp Mário Eduardo Costa Pereira, a partir de 8 de agosto. As
palestras serão gravadas todas as sextas-feiras ao longo do mês, às 19h, e os
interessados de todo o País podem acompanhar as gravações e enviar perguntas ao
vivo pelo portal.
Além de Costa Pereira, participam do módulo o psiquiatra infanto-juvenil e
professor da Uerj Rossano Cabral Lima, o professor da Universidade da
Califórnia Naomar Almeida Filho e o psiquiatra da infância e adolescência e
consultor do Ministério da Saúde Fernando Ramos.
Se for esta a normalidade que tanto buscamos, o
mundo teve sorte por não ver visionários como Bill Gates, Einstein, Newton e
Beethoven em uma sala de aula nos dias atuais. Todos eles tinham dificuldade em
socialização, comunicação e aprendizado. Sofriam, em algum grau, de espectro de
autismo, e seriam facilmente transformados em bons alunos, diagnosticados,
tratados e medicados. O mundo perderia quatro gênios, mas ganharia excelentes
funcionários-padrão, contentes e domesticados."
[Da Redação da Carta Capital, em 04/08/2014]
[Da Redação da Carta Capital, em 04/08/2014]
3 comentários:
Ótimo!
Questoes super pertinentes.
Atc
Formidável, Rodrigo! Obrigada por dividir conosco!
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