Prezados (as),
No
cotidiano do Chutebol temos ficado particularmente impressionados, nós
professores, com a questão do tempo de que cada aluno precisa para
amadurecer suas qualidades e desenvolver seu potencial. Claro, não
estamos falando aqui somente das habilidades exigidas pelo esporte, mas
de algo muito mais profundo: da própria capacidade da criança em poder
aproveitar a infância enquanto tal.
Explico:
me parece que vivemos num mundo realmente novo. Não enxergo aí uma
qualidade ou um defeito. Mas absolutamente diferente da Modernidade, do
século XX que ficou para trás. É completamente diferente. A entrada
implacável da tecnologia e do discurso da Ciência em nosso cotidiano
(muito mais do que em filmes de ficção ou em universidades de
excelência) encontrou na infância campo fértil para afirmar suas
descobertas - mas também seus interesses.
Daí
lembro que a infância não é um dado biológico, como costumamos afirmar
aqui: não há nenhuma lei natural que determine o que ela é. A infância,
tal como a conhecemos (conhecíamos??), tem pouco mais de duzentos anos. O
conceito de um ser humano em formação e que, portanto, necessita de
determinados cuidados, de um tempo e de uma medida próprios, é uma
invenção do ser humano - uma construção social, cultural. "Ser criança
não significa ter infância" é uma frase que o Chutebol adotou. A
quantidade de demandas a que as crianças do século XXI estão submetidas e
devem atender (se quiserem ter 'sucesso' na vida) parece
particularmente dramática.
O
projeto científico de um indivíduo que precisa se desenvolver,
apressadamente, no sentido de completar tais e tais lacunas em seu
desenvolvimento, tem sido o pano de fundo de impossibilidades e
sofrimento por parte de muitas crianças - famílias inclusas. Pois bem,
voltamos de onde não saímos: aí está a questão do tempo que abre o
texto. Tenho ficado realmente impressionado quando, ao invés de exigir
isso ou aquilo do fulaninho, pressionando-o novamente, resolvo deixá-lo
um pouco mais à vontade para fazer as coisas ao seu jeito. Com tempo. É
batata. Quando a espontaneidade entra em cena, quando a criança pode se
apropriar de um projeto, uma ideia, um treino, uma brincadeira como
sendo sua - aí há o investimento total dela: físico, psíquico,
psicomotor. Ao perceber que pode fazer as coisas à sua maneira, no seu
ritmo, a criança pode se entregar à atividade, pode colocar em cena a
sua singularidade. A psicanálise vai chamar isso de desejo.
Não se trata de abir mão da disciplina necessária ou dos afazeres
fundamentais em qualquer rotina, mas do excesso. Isso faz mal à
infância. A falta de orientação e cuidado (abandono), claro, também. É
certo que o mundo mudou e a História não roda para trás. Mas a infância,
se desejamos preservá-la enquanto tal, simplesmente exige um tempo
diferente. É hora de pensar em como se posicionar diante das hiper
coisas: hiper-modernidade, hiper-conectividade, hiper-competitividade.
Não podemos apenas ficar embasbacados seguindo um fluxo alucinante.
Duvido que os adultos também não sintam esse mal-estar. Está na cara.
A criança precisa de um tempo diferente do tempo adulto para se organizar, fazer suas coisas, brincar e viver melhor. Este é precisamente o tempo daquilo a que resolvemos chamar Infância.
Aquele abraço, saudações esportivas
5 comentários:
Ficamos tão preocupados com uma meta que esquecemos que a vida é feita do caminho. Texto, como sempre, preciso e inteligente. Parabéns.
Temas sempre mt interessantes, Rodrigo.
Abc
Gostaria de parabenizá-lo pelo trabalho que desenvolve no Clube Militar com dezenas de crianças desenvolvendo não somente a habilidade no futebol como valores.
Sei que os pais em sua grande maioria são gratos pelo trabalho desenvolvido por vocês.
Obrigado mais uma vez pela oportunidade de meu filho ter participado deste trabalho.Sei que ele se desenvolveu bastante aí e espero que ele tenha as portas abertas para um futuro próximo.
Abraços
Fernando
Olá Bruno, obrigado pelas palavras. Realmente, ótima observação: tudo virou meta... Valeu a passada aqui no Chutebol, um abraço!
Valeu a força, galera!
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